Durante séculos os nossos países viveram de costas voltadas um para o outro. Um dos piores momentos para a nossa relação diplomática foi o período das ditaduras fascistas, no qual os sentimentos nacionalistas de ambos os lados geraram uma desconfiança mútua profunda e duradoura. Se tivéssemos entrado em guerra mais uma vez, a perda de vidas humanas teria sido catastrófica. Essa desconfiança tem de durar para sempre? Estaremos, como países, realmente destinados a existir assim para todo o sempre?
Um certo rancor para com a Espanha faz parte da personalidade de cada português, em maior ou menor medida. É um rancor transmitido de geração em geração e visto por alguns espanhóis como uma paranóia sem sentido, algo que não se pode compreender. Mas nós compreendemos. Somos um país que se quis fazer respeitar por si próprio, mostrar o seu próprio valor, sem a ajuda da Espanha. Somos um país pequeno que sempre temeu a assimilação, o desaparecimento da nossa identidade, ao ser eclipsado pelo seu vizinho maior. E a recente instabilidade política na Espanha, a tensão entre o centro e a periferia que aparentemente tantos pretendem apenas perpetuar em vez de acalmar, só veio exacerbar os sentimentos negativos da parte de alguns portugueses para com a Espanha.
Por outro lado, na Espanha parece haver bastante desconhecimento, assim como incompreensão, dos sentimentos portugueses pela Espanha. Por vezes é pior ainda: há espanhóis que pura e simplesmente não gostam de Portugal, que nos desprezam, que não nos conhecem nem querem conhecer. Já disseram que nascemos de uma grande traição ao reino de Leão, como se hoje em dia fossemos nós, os portugueses contemporâneos, quem deve pagar pelas desavenças políticas do passado. A isto respondi que esta atitude não me surpreende nem me choca, uma vez que passámos tanto tempo de costas voltadas uns contra os outros, mas que também não será por essa razão que deixo de falar. Já disseram que somos uma nação "anoréctica", completamente dependente da sua aliança histórica com a Inglaterra, contrastando-nos com a Espanha "grande, unida e livre" que sempre soube fazer frente à Inglaterra e construir o seu próprio império. A isto respondi-lhes com aquilo que outros espanhóis, mais amigos de Portugal, me disseram: "as comparações são odiosas".
Esta é a realidade com que temos de lidar, quer queiramos quer não. A nossa relação diplomática oficial pode ser excelente, mas estes sentimentos ainda existem nas mentes dos povos espanhol e português. O medo de uma maior aproximação ainda persiste. E talvez haja boas razões para isso. Uma vez que existe tanta corrupção na Península Ibérica, uma aproximação directa dos dois países sem qualquer cautela, ou mesmo uma união política, fortaleceria essa corrupção ainda mais, prejudicando-nos tanto a nós como a eles e beneficiando apenas e só os políticos e os magnatas de ambos os lados da fronteira, enquanto o povo continuaria a sofrer a austeridade, a viver na precariedade e a sentir-se desprezado por um sistema político e económico que pura e simplesmente não quer saber das suas preocupações.
A União Ibérica deveria ser para proporcionar melhores vidas a todos os espanhóis e portugueses sem destruir as suas respectivas identidades. Idealismo? Utopia? Se a resposta a estas questões é "sim", então só é sim devido à natureza humana, a nossa propensão natural para a ganância, a avareza e a corrupção. Isso, aparentemente, é um problema cultural dos povos ibéricos, porque há países onde a corrupção parece fazer muito menos estragos... Mas na prática, qualquer passo que se dê no sentido da aproximação deve ter exactamente aquele objectivo, defender a dignidade do povo português e do povo espanhol, mantendo igualmente a preocupação de nunca deixar esse objectivo ser corrompido pela tentação dos ganhos financeiros a curto prazo.
Dir-se-ia, portanto, que as nossas probabilidades de sucesso não são boas.
Quero lá saber. Continuo a fazer a minha vida da melhor forma que a sei viver: a irradiar energias positivas, amor, respeito e irmandade em cada lugar aonde vou. Continuo a acreditar que a realidade é algo que nós podemos mudar se verdadeiramente estivermos dispostos a isso. Eu não cedo à negatividade. Eu não caio no pessimismo. Porque sei qual é a minha missão. A minha missão é ensinar português: para mim, é a maneira ideal de dar a conhecer aquele que na verdade é um povo irmão, digno do amor e do respeito da Espanha. É mostrando-lhes as semelhanças entre as nossas línguas, as nossas ideias, o nosso carácter, as nossas preocupações e as nossas mentalidades que pouco a pouco vou fazendo com que mais e mais espanhóis se apaixonem por Portugal.
E os portugueses poderiam continuar a queixar-se de que os espanhóis ignoram sistematicamente Portugal. Ignoram a questão de Olivença. Ignoram a poluição nos rios. Ignoram o perigo de Almaraz. Ignoram a nossa língua. Ignoram a nossa história. Ignoram a nossa cultura, a nossa música, os nossos livros, tudo menos o nosso futebol - e até nisso nos vêm como nada mais do que um adversário.
Mas insisto, se as pessoas não sabem algo que nós achamos que deveriam saber, então temos de as ensinar. Temos de lhes mostrar e explicar aquilo que não conhecem ou não compreendem. Não podemos simplesmente ficar fechados no nosso ressentimento e queixar-nos daquilo que não é como nós queremos ou a esperar que as coisas mudem milagrosamente. Se queremos que as coisas sejam diferentes, teremos de ser nós próprios a provocar essa mudança. Temos de ser nós, as pessoas que estão no terreno, as que vivem no meio dos outros, a alimentar tanto a sua curiosidade como o seu respeito pelo nosso país.
E insisto... Ou a sociedade espanhola está colectivamente a conspirar e a mentir-me, ou então é mesmo verdade aquilo que eu tenho visto aqui em Madrid: que há cada vez mais espanhóis apaixonados por Portugal, que visitaram Portugal e que adoraram tudo o que descobriram. Que uns poucos poderiam estar a esconder os seus verdadeiros sentimentos e intenções, acredito que sim. Mas tantos assim de uma vez?
Agora, se realmente nos queremos proteger de uma possível assimilação, ou mesmo uma hipotética anexação, creio que a melhor maneira não é continuarmos a isolar-nos e a afastá-los. Os nossos antepassados fizeram o que tinham de fazer no seu tempo. A realidade hoje é outra. Temos tecnologia, temos infraestruturas, temos todas as condições para que as nossas sociedades convivam cada vez mais. A aproximação entre os nossos países, aparentemente, acontecerá quer queiramos quer não. E a minha pergunta é: se um dia os interesses políticos e económicos nos ultrapassarem e dermos por nós demasiado próximos para voltar atrás, qual será nesse momento a atitude dos espanhóis para connosco? Ver-nos-ão verdadeiramente como irmãos, ou ver-nos-ão como um povo inferior que nunca mereceu ser respeitado? Eu prefiro a primeira opção, e a única maneira que sei de contribuir para que eles nos vejam como seus irmãos é que NÓS os tratemos como irmãos e façamos por merecer o mesmo tratamento em troca.
Mais ainda: se chegar esse dia em que os interesses políticos e económicos levam à união política dos nossos países, teremos cada um de nós uma voz para exigir dignidade? Ou tudo será feito atrás das nossas costas? Estaremos nós unidos no nosso sentimento fraternal ibérico para dizer que a união será feita de acordo com a nossa vontade, não com a de quem só quer aproveitar-se tanto do povo português como do povo espanhol, ou continuaremos divididos pelos nossos nacionalismos e, portanto, mais fáceis de controlar?
Somos nós, os portugueses que vivem na Espanha e os espanhóis que vivem em Portugal, quem tem a obrigação de construir tudo aquilo que já devia existir e que ainda não existe: ganhar o respeito dos nossos respectivos anfitriões e apelar às nossas respectivas pátrias para que não continuem a estar de costas voltadas uma para a outra. Foi por essa razão que eu desde o princípio senti que, quanto a mim, devia participar no iberismo: para influenciar a maneira como esta ideia evolui e para garantir que não evolui na direcção errada.
E é por isso que eu todos os dias saio de casa com uma pequena bandeira portuguesa ao peito, para trabalhar, ensinar português, SER português: para servir Portugal com toda a minha paixão. Para insistir nas semelhanças em vez das diferenças. Para insistir que estou a defender Portugal, não a trair Portugal. Para merecer o respeito e a admiração dos nossos irmãos. Para conquistar para Portugal o direito de se fazer ouvir. Para conquistar a Espanha.
João Pedro Lázaro Baltazar.
Vogal da Plataforma pela Federação Ibérica